Os desafios do primeiro Hospital Veterinário Público do Brasil

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No ano de 2012 foi fundado o primeiro Hospital Veterinário Público  do Brasil, na cidade de São Paulo. O lugar é administrado pela Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo – Anclivepa-SP e mantido através de uma verba mensal da prefeitura.

Hoje com duas unidades, suas equipes de aproximadamente 70 veterinários atendem todas as especialidades médicas e realizam diversos procedimentos, que vão desde atendimentos de emergência a cirurgias.
Desde então, no comando do Hospital Veterinário Público de São Paulo, o médico veterinário José Fernando Ibañez, também presidente da Anclivepa – SP e professor da Universidade Federal do Paraná, fala com exclusividade ao Canal de Estimação sobre desafios da sua gestão, estratégias e medidas já adotadas para contornar os pontos negativos de ambas as unidades.

Segundo ele, transformar a presença do médico veterinário na sociedade é uma das prioridades. “Tratar dos animais também precisa ser visto como uma forma de manter vivo o sentimento de carinho das pessoas em direção aos animais; precisa ser entendido como uma parte do cuidado da integridade de cada pessoa”, considera.

Mas, o que já está sendo feito para isso e quais serão os reflexos dessa transformação para os animais e sociedade?

Acompanhe na íntegra.

Quais são os principais projetos da sua gestão?

Durante minha gestão sempre tive a preocupação de transformar a presença do médico veterinário na sociedade. Gostaria que o médico veterinário passasse de um profissional visto como aquele que cuida dos cachorrinhos para um profissional de destaque na sociedade. 

Por quais motivos este é o seu maior objetivo?

Nossa missão nunca foi cuidar de animaizinhos no sentido ‘queridinho’ como é visto. Desde a criação da veterinária, que surgiu pela necessidade de cuidar dos animais utilizados nas batalhas, ou seja, defender a nação, seu papel foi dedicado ao bem estar da sociedade. 

O médico veterinário participa de várias missões essenciais da sociedade: controle de pragas, tecnologia e cuidados com alimentos de origem animal; melhoramento genético – produção de alimento; controle e estratégias de combate a pragas; saúde pública no controle de zoonoses e participação nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF.
Mas e os animais de estimação, os cães e gatos que vivem diretamente ligados à sociedade, tendo esta, ou não, animais em casa?

Eu não condeno os veterinários de pequenos animais; sou um deles e tenho orgulho de sê-lo. O que eu quero é que o cuidar de animais seja visto como o cuidado com a saúde dos animais e o cuidado com a saúde das pessoas. É fato que a grande maioria dos seres humanos convive com animais atualmente e que esse convívio é salutar. Tratar dos animais também precisa ser visto como uma forma de manter vivo o sentimento de carinho das pessoas em direção aos animais; precisa ser entendido como uma parte do cuidado da integridade de cada pessoa.

Eu gostaria que o veterinário deixasse de ser visto como um item supérfluo no orçamento. Sei que existem prioridades, mas, ao decidir por ter um animal em casa, este tem que ser prioridade também. Não só porque são vidas, mas porque participam daquela família e enquanto saudáveis, farão muito bem ao convívio daquele lar.
E o que o senhor vem fazendo para que esta transformação aconteça? Como era no início da sua gestão e como é hoje?

Acredito que a transformação do papel do médico veterinário na sociedade é um processo já iniciado. Minha gestão sempre foi voltada para alertar a sociedade do papel importante do veterinário para ela. Como disse, o veterinário cuida de animais, mas cuida das pessoas também, através da preservação da saúde e do relacionamento entre animais e seres humanos.

Penso que hoje a Anclivepa-SP tem várias ações iniciadas na minha gestão que antes não existiam e que são de cunho social: apoio ao dia internacional de castração; ações de castração em regiões carentes e ações sociais na aldeia do Pico do Jaraguá. Além disso, o discurso de nossos diretores é diferente. Nós nos preocupamos, sim, com a qualidade da medicina veterinária e com nossos colegas veterinários, entretanto é mandatório que despertemos em nossos colegas a atenção para o papel do médico veterinário para as pessoas.
Quais serão os reflexos dessa transformação para os animais e sociedade?

Penso que os animais só têm a ganhar. À medida que as pessoas forem mais educadas no sentido de buscar prevenção para seus animais e de compreender a responsabilidade de tutelar um animal, todas as relações entre homens e animais serão beneficiadas. Há que se incutir nas pessoas o espírito de preservação. Nós não podemos nos isentar da responsabilidade que temos no esgotamento do nosso Planeta.

Na medida em que não houver mais tantos animais doentes, tantos animais se reproduzindo indiscriminadamente – e isso é responsabilidade de quem cuida dos animais, precisaremos de menos atendimentos e menos animais serão abandonados.

O despertar da responsabilidade que envolve ter um animal em casa deve diminuir a incidência de maus tratos e aumentar respeito pelos animais e pela natureza.

Como é a rotina do primeiro Hospital Veterinário Público do Brasil? 

Ao chegar os animais passam por uma triagem e encaminhados para os setores das especialidades onde são atendidos por médicos veterinários especializados em cada área.

A procura é enorme, mas já era de se esperar. Duas unidades numa cidade do tamanho de São Paulo ainda é pouco, mas não reclamo. Atendemos a todas as especialidades médicas e fomos pioneiros.

Como o senhor vê o papel do Hospital Público Veterinário junto à comunidade?

O Hospital tem papéis que a meu ver são essenciais:

  • Deu o pontapé inicial na discussão e concretização de uma ação para cuidar dos animais de pessoas que não podem pagar; o veterinário cuida das pessoas através do cuidar de seus animais de estimação;
  • Depois da implementação do Hospital, a discussão sobre o gasto de dinheiro público, também com os animais da população, tomou rumos, até então, nunca vistos. Vários legisladores e outras prefeituras iniciaram discussões sobre o que e como fazer para dar apoio às pessoas da comunidade no âmbito dos animais de estimação;
  • Despertou mais ainda a atenção para o tema dos animais abandonados nas ruas. Se houvesse menos abandono, mais cuidados e mais consciência, talvez a demanda nos hospitais gratuitos fosse menor. Então há, atualmente, mais atenção e discussão sobre como educar e conscientizar as pessoas sobre os cuidados e responsabilidades de cuidar de um animal de estimação.

Qual é o número aproximado de atendimentos realizados pelo Hospital?

Os números são assustadores. Diariamente as duas unidades atendem hoje aproximadamente 200 a 300 animais, e isso é muito mais que nossa capacidade – muito. Mas, fazemos o possível para que todos recebam atendimento e não morram na porta do hospital ou aguardando atendimento.

Infelizmente nossa capacidade esta chegando no limite e precisamos ou reduzir o número de atendimentos diários ou aumentar o teto de repasse de verbas. Sei que isso implica numa série de efeitos cascata e não é só uma decisão.

Mas isto não estava previsto?

O projeto inicial do HVP não previa essa quantidade de atendimentos, mas, reforço que fazemos o impossível para atender, porém, estamos no limite, o que, por um lado é bom. É sinal que o projeto foi além do que imaginamos e teve sucesso. Toda obra-prima precisa de reparos até ser um ícone. Nós já o somos antes mesmo dos reparos. Tenho orgulho disso.

Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelo hospital?

Acho que mais difícil é ter um teto. É ter um limite. Quisera que pudéssemos ficar abertos dia e noite todos os dias, atendendo a todo cidadão que precisasse de ajuda com seu animal. Isso é impossível, não conseguimos fazer isso.

Outra dificuldade é conciliar os ânimos de todas as pessoas. É muita gente, e infelizmente, há espera e às vezes não há vaga. De modo geral todos são complacentes, mas de vez em quando um se exalta.

Manter a qualidade técnica de nossos colaboradores também é um desafio. Não é porque atendemos de graça que nossos serviços são precários, pelo contrário: nossos materiais e profissionais são altamente qualificados.

Quais são as estratégias e medidas já adotadas para contornar os pontos negativos de ambas as unidades, como superlotação, atendimento precário, descaso, dentre tantas outras reclamações dos usuários, como se vê habitualmente nos hospitais para humanos?

De todas as reclamações que a pergunta menciona, só posso concordar com a superlotação. Não consigo admitir que alguém reclame de descaso ou atendimento precário. Perdão. Se o descaso ou atendimento precário ocorrem em estabelecimentos para seres humanos, no veterinário, não.

Sobre a superlotação nos cabe fazer relativamente pouco, uma vez que nossa parceria com a Prefeitura Municipal de São Paulo tem um teto de repasse e atendimentos. De qualquer forma, são reagendados somente casos que não são urgentes – atendemos a todas as urgências que chegam no Hospital, além dos atendimentos previstos no contrato.

Constantemente conversamos com as alçadas do Município de São Paulo para tentar aumentar o volume dos atendimentos contratados pela parceria para aumentar o teto do repasse. Infelizmente, várias são as prioridades da prefeitura, as fontes de recursos são limitadas e as dificuldades de cada setor são sempre as mais importantes e prioritárias para cada setor. É dizer: a secretaria do verde precisa de recursos para itens que para ela são prioritários e essenciais; a secretaria da saúde idem; a do planejamento e todas as outras…

Não podemos, ainda que constantemente tentemos aumentar a quantidade de atendimentos, reclamar da atenção que damos e do empenho que a prefeitura dispõe. Infelizmente vivemos numa cidade com muitos habitantes, com muitos cidadãos em condições de existência precárias e não conseguimos ajudar a todos. Nós tentamos ajudar a todas as pessoas que nos procuram e a prefeitura tem sido grande parceira.

Vale ressaltar que há especulações de que mais uma ou duas unidades de atendimento gratuito devam ser implantadas, mas ainda não temos certeza disso.

E as perspectivas para que, pelo menos, todas as grandes cidades brasileiras tenham um Hospital Veterinário Público? O que a sociedade pode esperar neste sentido? O que há por vir?

Esse é nosso sonho. Infelizmente a implantação e manutenção de serviços desta natureza dependem de alguns fatores: sensibilização dos poderes legislativo e executivo; viabilização de recursos e gestão.

Depois da implantação dos serviços na cidade de São Paulo ficou provado que as pessoas da comunidade aceitam e apoiam o gasto de dinheiro público com cuidados com animais – e isso reforça o papel do médico veterinário para as pessoas e a mudança nas relações entre pessoas e animais.

A ação do Vereador Trípoli, hoje Deputado Estadual, mostrou para vários outros legisladores que é possível fazer isso em seus municípios, e vários nos procuram para juntos planejarmos a implantação de serviços semelhantes em outras cidades.

Eu penso que o processo de implantar serviços parecidos em outros municípios vai depender da sensibilização – que já tem ocorrido, e da disponibilização de recursos. Fato é que, apesar de usarmos dinheiro público na manutenção destes serviços, a obtenção de recursos privados em outras parcerias seria também muito importante.

Tenho ouvido e visto algum movimento e penso que levamos muitas décadas para chegar até esta situação. Atualmente temos medidas pró, como a iniciativa da prefeitura ao implantar o primeiro serviço gratuito do Brasil, e demanda – situação inaceitável da quantidade de animais abandonados e sofrendo nas cidades, de cuidados com animais e o resultado da sua presença pelas ruas. Mas, acredito ser uma questão de tempo para que outras comunidades adotem medidas semelhantes. Eu vou continuar lutando para isso.

O HVP possui campanhas junto à comunidade? Se sim, pode citar algumas?

Possuímos um programa de educação e conscientização feito com as pessoas durante o tempo que estão lá. Falamos sobre a responsabilidade de ter um animal, cuidados, vacinação e da importância da castração.

Qual é o legado disso tudo?

Eu sempre falo que o desafio e a oportunidade de cuidar desses dois hospitais deu a mim e à equipe que me dá apoio, a experiência de uma vida. Nestes três anos aprendi e vivi mais que 10 anos!

Aprendi que para mudar a vida de uma pessoa, mesmo que por alguns minutos, talvez o dinheiro não seja o mais importante; às vezes basta um sorriso, um abraço.

Nós somos privilegiados pela nossa condição. Estudamos, tivemos oportunidades, nos esforçamos, trabalhamos e atualmente temos também uma grande responsabilidade, que é contribuir para que nossa sociedade seja melhor, mais humanitária e mais igualitária.

Cabe a nós, que achamos isso, contribuir para que o mundo mude. Eu sempre digo que se você reclama de algo tem que fazer algo para mudar; ou se calar. Só reclamar não adianta. E nós estamos fazendo. Não sei se é certo ou errado; sei que está produzindo resultado. E isso é importante!

SERVIÇO – HOSPITAL VETERINÁRIO PÚBLICO

Unidade Zona Norte

Avenida: General Ataliba Leonel, 3194 – Parada Inglesa – São Paulo/SP

Tel: (11) 2924-9815

Unidade Zona Leste

Rua: Serra de Japi, 168 – Tatuapé – São Paulo/SP

Tel: (11) 2936-4745

ATENÇÃO: Para que o animal seja atendido o responsável deve apresentar os seguintes documentos:

  • RG original;
  • CPF original;
  • Comprovante de residência no nome do responsável pelo animal.

Por Fernanda Guimarães, jornalista voluntária, colaboradora do Canal de Estimação.

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