Ter um cachorro de estimação é essencial na vida de muita gente – e uma ideia que pode ser repugnante para outros. A explicação, apontam cientistas, pode estar nos genes.
A pesquisadora Tove Fall estudou a relação entre genética e o desejo de ter animais de estimação. — Foto: Mikael Wallerstedt/Divulgação.
Um estudo realizado por cientistas suecos e britânicos e publicado no periódico Scientific Reports trouxe indícios de que a genética tem influência sobre a decisão de manter ou não um animal de estimação em casa. “Constatamos que a nossa constituição genética influencia escolhas complexas, como a escolha de ter um cachorro. Isso implica dizer que pessoas têm diferentes chances de querer ter ou não um cachorro”, disse à BBC News Brasil a pesquisadora Tove Fall, professora de epidemiologia molecular no Departamento de Ciências Médicas e no Laboratório de Ciência para a Vida da Universidade de Uppsala, da Suécia.
Para chegar a tal conclusão os cientistas cruzaram dois bancos de dados bastante abrangentes. De um lado, usaram as informações de 35.035 pares de gêmeos do registro nacional sueco. Somaram a isso os dados do registro nacional de cães do país – na Suécia, praticamente todos os cachorros de estimação são catalogados na base de dados do governo.
O resultado foi que, em mais da metade das vezes, a variação genética explica a posse dos cães – um componente hereditário impresso nos genes humanos que, de certa forma, deve ter sido forjado ao longo de milênios de evolução.
Estima-se que cachorros tenham uma relação próxima com os seres humanos há pelo menos 15 mil anos. Eles são considerados os primeiros animais a serem domesticados pelo homem. “Ficamos surpresos ao perceber que a composição genética de uma pessoa parece ter influência significativa no fato de possuir ou não um cão”, explicou Fall. “Tais descobertas têm implicações importantes em vários campos diferentes relacionados à compreensão da interação cão-homem ao longo da história. Embora ter cães e outros animais de estimação seja comum em todo o mundo, pouco se sabe ainda sobre como eles afetam nossa vida diária e nossa saúde.”
A partir do estudo, a pesquisadora acredita que “algumas pessoas têm uma propensão inata maior para cuidar de um animal de estimação do que outras”.
“Analisamos proprietários registrados de cães e encontramos evidências robustas de que a escolha de possuir e cuidar de um cão depende parcialmente do arranjo genético, ou seja, os genes herdados dos pais”, resumiu à BBC News Brasil o chefe do registro nacional de gêmeos da Suécia, Patrik Magnusson, professor de epidemiologia no Departamento de Epidemiologia Médica e Bioestatística no Instituto Karolinska, também da Suécia. “Algumas pessoas carregam genes que aumentam a probabilidade de que eles adquiram um cão.”
Especialista em interação-homem animal, o pesquisador Carri Westgarth, da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, acredita que a pesquisa pode ser um passo importante para compreender os benefícios obtidos por algumas pessoas no convívio com animais de estimação. “Tais resultados sugerem que supostos benefícios para a saúde de possuir um cão, relatados em outros estudos, podem ser explicados pelas diferenças genéticas entre as pessoas”, pontuou.
Método
Utilizar gêmeos como ponto de partida de estudos genéticos é um método bastante difundido na ciência, principalmente quando se pretende compreender diferenças de biologia e de comportamento. No caso do estudo sobre a predisposição em ter ou não um cão, os cientistas tomaram o cuidado de comparar características e comportamentos de gêmeos idênticos – aqueles que compartilham o genoma inteiro – com os não-idênticos – que têm variação genética entre si.
Ao analisar cada par, verificando quais combinavam no fato de ter ou não um cão, os dados tabulados mostraram como a genética pode desempenhar um papel importante em tal escolha de vida.
Os cientistas descobriram taxas de concordância da posse de cães muito maiores em gêmeos idênticos do que em não-idênticos – sustentando a visão de que a genética desempenha um papel fundamental em tal escolha.
“Tal tipo de estudo não pode nos dizer exatamente quais genes estão envolvidos, mas pelo menos demonstra, pela primeira vez, que a genética e o ambiente desempenham papéis iguais na determinação da posse de cães”, afirmou Magnusson.
A pesquisa foi restrita a posse de cães porque não há dados completos sobre outros animais de estimação – como gatos ou peixes de aquário – nos registros públicos suecos. “Só podíamos estudar cães, portanto”, resumiu Fall.
“Até agora, nossa única evidência é para cães, então não sabemos se o mesmo se aplica a outros animais”, comentou Magnusson. “A razão pela qual poderíamos fazer isso para cães era que existem registros de propriedade desses animais de alta qualidade na Suécia, com boa cobertura. A base de registros de gatos é menos completa e menos confiável.”
Possibilidades
“O próximo passo óbvio é tentar identificar variantes genéticas a partir desse fato”, prosseguiu o pesquisador. “Ou seja: como tais genes se relacionam com traços de personalidade e outros fatores individuais, como alergias.”
Magnusson acredita que pode estar no mesmo arranjo genético a explicação sobre por que alguns têm mais capacidade de compreender e interagir com cães do que outros, por exemplo. E até mesmo explicações sobre sentir ou não medo desses animais.
“Esta composição genética é provavelmente mais complexa e pode abrigar variações genéticas que afetam fenótipos como alergia a cães e diferentes características de personalidade”, completou Fall. “Vamos agora realizar um estudo de genética molecular para descobrir mais.”
São chaves até para compreender um pouco melhor a amizade duradoura entre humanos e cães. “O estudo tem grandes implicações para a compreensão da história profunda e enigmática da domesticação de cachorros.”
“Décadas de pesquisas arqueológicas nos ajudaram a construir uma imagem melhor de onde e quando os cães entraram no mundo humano. Mas os dados genéticos modernos agora vão nos permitir explorar diretamente o por quê e o como”, comentou o zooarqueólogo Keith Dobney, do Departamento de Arqueologia da Universidade de Liverpool.
Por: Edison Veiga, BBC, De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil.
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